O novo regime de teletrabalho
A Lei n.º 83/2021, de 6 de dezembro, que entrou em vigor em 01 de janeiro de 2022, veio modificar o regime de teletrabalho, alterando o Código do Trabalho e a Lei que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e doenças profissionais.
Em primeiro lugar, foi desde logo alterada a noção de teletrabalho, passando a considerar-se como tal “a prestação de trabalho em regime de subordinação jurídica do trabalhador a um empregador, em local não determinado por este, através do recurso a tecnologias de informação e comunicação”, ao invés da anterior referência à prestação realizada “habitualmente fora da empresa”.
Por outro lado, manteve-se a necessidade de acordo escrito para a implementação deste regime, podendo o mesmo constar do contrato de trabalho inicial ou ser autónomo em relação a este.
O acordo de teletrabalho passa, no entanto, a exigir a definição de alguns aspetos adicionais, para além dos anteriormente exigidos, devendo agora conter e definir os seguintes elementos relevantes:
- o regime de permanência ou de alternância de períodos de trabalho à distância e de trabalho presencial;
- o local em que o trabalhador realizará habitualmente o seu trabalho (que pode posteriormente ser alterado pelo trabalhador, mediante acordo escrito com o empregador);
- o período normal de trabalho diário e semanal;
- o horário de trabalho;
- a atividade contratada, com indicação da categoria correspondente;
- a retribuição, incluindo prestações complementares e acessórias;
- a propriedade dos instrumentos de trabalho, bem como o responsável pela respetiva instalação e manutenção;
- a periodicidade e modo de concretização dos contactos presenciais, com intervalos não superiores a dois meses (no sentido de reduzir o isolamento do trabalhador).
Oposição ao acordo de teletrabalho
No caso de a proposta de acordo de teletrabalho partir do empregador, o trabalhador poderá opor-se sem necessidade de fundamentação e tal oposição não poderá constituir causa de despedimento ou fundamento para aplicação de qualquer sanção.
Por outro lado, se a proposta partir do trabalhador e a atividade for compatível com o teletrabalho, o empregador apenas poderá recusá-la indicando, por escrito, qual o fundamento para essa recusa.
Passa também a permitir-se que o empregador defina, através de regulamento interno publicitado, as atividades e as condições em que a adoção do teletrabalho na empresa poderá ser aceite.
Existem, no entanto, situações em que o empregador não pode opor-se ao pedido do trabalhador, a saber:
- trabalhador vítima de violência doméstica, quando o teletrabalho seja compatível com a atividade desempenhada;
- trabalhador com filho com idade até 3 anos, quando o teletrabalho seja compatível com a atividade desempenhada, o empregador disponha de recursos e meios para o efeito e não se trate de microempresa (considera-se microempresa a que emprega menos de 10 trabalhadores);
- trabalhador com filho com idade até aos 8 anos, nos casos em que ambos os progenitores reúnam condições para exercer a sua atividade em teletrabalho, desde que este seja exercido por ambos em períodos sucessivos de igual duração num prazo de referência máxima de 12 meses e não se trate de microempresa;
- trabalhador com filho com idade até aos 8 anos, em caso de famílias monoparentais ou situações em que apenas um dos progenitores, comprovadamente, reúne condições para o exercício da atividade em teletrabalho e não se trate de microempresa.
Está ainda previsto o direito ao exercício da atividade em regime de teletrabalho, pelo período máximo de quatro anos, seguidos ou interpolados, para o trabalhador a quem tenha sido reconhecido o estatuto de cuidador informal não principal, quando este seja compatível com a atividade desempenhada e o empregador disponha de recursos e meios para o efeito. Nesta situação, o empregador poderá opor-se caso não estejam reunidas as referidas condições ou com fundamento em exigências imperiosas do funcionamento da empresa.
Duração e cessação do acordo de teletrabalho
Enquanto o anterior regime apenas previa um limite temporal de duração dos acordos de teletrabalho – 3 anos – nos casos de trabalhadores anteriormente vinculados ao empregador, o novo regime passa a prever a possibilidade destes acordos serem celebrados com duração determinada ou indeterminada. Os acordos de duração limitada não poderão exceder os seis meses, ocorrendo, no entanto, a sua renovação automática por iguais períodos, caso nenhuma das partes declare, por escrito, com 15 dias de antecedência, que não pretende a sua renovação. Já os acordos de duração indeterminada podem terminar por vontade de qualquer uma das partes, declarada por escrito, com uma antecedência de 60 dias.
Mantém-se ainda a possibilidade de qualquer uma das partes denunciar o acordo durante os primeiros 30 dias de execução.
Em caso de cessação do acordo de teletrabalho, o trabalhador retoma a sua atividade em regime presencial, sem prejuízo da sua categoria, antiguidade e quaisquer outros direitos conferidos aos trabalhadores em regime presencial com as mesmas funções.
Equipamentos e sistemas
É responsabilidade do empregador disponibilizar ao trabalhador os equipamentos e sistemas necessários à realização do trabalho e à interação trabalhador-empregador, devendo ficar estabelecido no acordo de teletrabalho se estes são fornecidos diretamente pelo empregador ou adquiridos pelo trabalhador, com a concordância daquele acerca das suas características e preços.
O empregador deve facultar ao trabalhador a formação necessária para o correto uso dos equipamentos utilizados no trabalho, devendo este último, por seu turno, cumprir as instruções relativas à segurança da informação utilizada ou produzida no âmbito das suas funções, assim como respeitar as restrições que sejam definidas quanto ao uso para fins pessoais dos equipamentos de trabalho fornecidos pela empresa. O trabalhador deve ainda informar a empresa, atempadamente, sempre que se verifiquem avarias ou defeitos de funcionamento nos equipamentos e sistemas.
Acresce que, as despesas adicionais que, comprovadamente, sejam suportadas pelo trabalhador como direta consequência da aquisição ou uso de equipamentos e sistemas informáticos, incluindo os acréscimos de custos de energia e internet e custos de manutenção, devem ser integralmente compensadas pelo empregador, imediatamente após a realização das despesas pelo trabalhador. Estas despesas adicionais são determinadas por comparação com as mesmas despesas que o trabalhador tinha no mesmo mês do último ano anterior à aplicação do acordo de teletrabalho.
Verifica-se assim que a lei coloca no trabalhador o ónus de provar que tem despesas que não tinha antes do acordo de teletrabalho ou que elas são mais elevadas, adivinhando-se, desde já, as dificuldades na análise e quantificação dessas despesas, especialmente no que diz respeito às despesas de consumo de eletricidade ou internet. Para além da dificuldade em discriminar o que serão despesas com a atividade profissional e despesas no âmbito da vida pessoal, acresce, por exemplo, a dificuldade em discernir quem é o responsável pelo aumento dessas despesas nas situações em que mais do que uma pessoa na mesma morada exerce a sua atividade em regime de teletrabalho.
Em termos fiscais, a compensação paga pelo empregador ao trabalhador pelas suas despesas adicionais é considerada custo para o empregador e não constitui rendimento do trabalhador.
Igualdade de direitos e deveres
Conforme já previsto no anterior regime, ao trabalhador em regime de teletrabalho são garantidos os mesmos direitos e deveres dos restantes trabalhadores, estando agora expressamente previsto o direito a receber, no mínimo, a retribuição equivalente à que receberia em regime presencial, a participar presencialmente em reuniões convocadas pelas comissões sindicais, intersindicais e de trabalhadores e a integrar o número de trabalhadores da empresa para todos os efeitos relativos a estruturas de representação coletiva.
Privacidade do trabalhador
Embora já consagrado na anterior redação da lei, o direito à privacidade do trabalhador em regime de teletrabalho é agora mais detalhado, na medida em que ficou estabelecido que a visita ao local de trabalho, sempre que este seja o domicílio do trabalhador, deve ser feita com um aviso prévio de 24 horas e com a concordância do trabalhador. Esta visita deve ter por objeto apenas o controlo da atividade laboral e dos instrumentos de trabalho e, em oposição ao anteriormente previsto, deve ser efetuada sempre na presença do trabalhador e apenas durante o horário de trabalho acordado.
Passa também a estar estabelecido o dever do empregador de abster-se de contactar o trabalhador no período de descanso, considerando-se ação discriminatória qualquer tratamento desfavorável dado ao trabalhador pelo facto de exercer o direito ao período de descanso.
Organização, direção e controlo do trabalho
Em linha com o direito à privacidade do trabalhador, é estabelecida a proibição, por parte do empregador, de impor a conexão permanente, durante a jornada de trabalho, por meio de imagem ou som.
As reuniões de trabalho à distância e as tarefas que exijam a sua realização em tempos precisos e em articulação com outros trabalhadores devem ser agendadas, preferencialmente, com 24 horas de antecedência.
Por outro lado, o trabalhador é obrigado a comparecer nas instalações da empresa ou noutro local designado pelo empregador para situações que exijam a sua presença física, para as quais tenha sido convocado com, pelo menos, 24 horas de antecedência. Nestes casos, o empregador deve suportar o custo das deslocações se as mesmas excederem o custo normal do transporte entre o domicílio do trabalhador e o local em que normalmente prestaria trabalho em regime presencial.
Segurança e saúde no trabalho
O empregador deve promover a realização de exames de saúde no trabalho antes da implementação do teletrabalho e, posteriormente, exames anuais para avaliação da aptidão física e psíquica do trabalhador para o exercício da atividade, a repercussão desta e das condições em que é prestada na sua saúde, assim como das medidas preventivas que se mostrem adequadas.
Por outro lado, o trabalhador deve facultar o acesso ao local onde presta trabalho aos profissionais que avaliam as condições de segurança e saúde no trabalho, em período previamente acordado, entre as 9 e as 19 horas, dentro do horário de trabalho.
O regime legal de reparação dos acidentes de trabalho e doenças profissionais passa a aplicar-se também às situações de teletrabalho, considerando-se local de trabalho o local escolhido pelo trabalhador para exercer habitualmente a sua atividade e tempo de trabalho todo aquele em que, comprovadamente, esteja a prestar o seu trabalho ao empregador.
Marta Vieira da Silva