Regime de prevenção e combate à atividade financeira não autorizada e proteção dos consumidores
Foi publicada, em Diário da República, a Lei n.º 78/2021, de 24 de novembro, que estabelece o regime de prevenção e combate à atividade financeira não autorizada e proteção dos consumidores, no qual se define um quadro complementar de proteção do consumidor perante a oferta de produtos, bens ou a prestação de serviços financeiros por pessoa ou entidade não habilitada a exercer essa atividade.
Este diploma define “atividade financeira não autorizada” como a tentativa ou a prática de atos ou o exercício profissional de atividade regulada pela legislação do setor financeiro sem habilitação ou sem registo, ou de outros factos permissivos legalmente devidos ou fora do âmbito que resulta da habilitação, do registo ou desses factos.
No seu artigo segundo, com a epígrafe “Dever Geral de Abstenção”, o legislador estabelece, na verdade, 2 (dois) deveres que recaem sobre qualquer pessoa que tenha conhecimento da publicitação, oferta, prestação, comercialização ou distribuição de produtos, bens ou serviços financeiros por pessoa ou entidade que não esteja legalmente habilitada para o efeito:
- O dever de abstenção de difundir, aconselhar ou recomendar os produtos, bens ou serviços em causa; e
- O dever de comunicar imediatamente o facto à ASF (Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões), ao Banco de Portugal ou à CMVM.
Relativamente à publicidade dirigida à comercialização de produtos, bens ou prestação de serviços financeiros, esta só poderá ser efetuada por uma entidade habilitada ou por pessoa que atue por conta desta. Além disso, a divulgação, transmissão ou difusão de publicidade relativa à comercialização destes produtos, bens ou serviços em órgãos de comunicação social ou sítios eletrónicos, fica sujeita, aquando da contratação, à demonstração do seu registo junto do Banco de Portugal (igualmente aplicável, com as necessárias adaptações, a produtos, bens ou serviços regulados pela ASF e CMVM) como entidade habilitada, e à apresentação de uma declaração com descrição sumária do cumprimento com os princípios de licitude que lhe são impostos em matérias de publicidade e informação ao consumidor.
Em virtude disso, recaem sobre os órgãos de comunicação social, os sítios eletrónicos organizados, e os profissionais ou agências de publicidade as seguintes obrigações:
- Verificar a veracidade da informação prestada;
- Inserir nos anúncios publicitários o respetivo número de registo da entidade habilitada;
- Recusar a divulgação da mensagem publicitária e comunicar imediatamente à autoridade de supervisão financeira competente o pedido recusado em caso de falta de habilitação legal, da entidade requerente, para exercer a atividade financeira; e
- Consultar diretamente a entidade de supervisão financeira competente, caso existam motivos justificados para crer que a entidade requerente da publicidade usurpou a identidade e faz utilização indevida do seu nome.
Os órgãos de comunicação social ou sítios eletrónicos organizados ficam ainda obrigados a documentar a informação prestada, isto é, os elementos de que depende a contratação, bem como a documentar a verificação da veracidade dos mesmos, sendo estes passíveis de consulta pelo Banco de Portugal, pela ASF e pela CMVM pelo prazo de 7 (sete) anos. A violação destes deveres constitui contraordenação punível com coima de € 1.750,00 a € 3.750,00 ou de € 3.500,00 a € 45.000,00, consoante o infrator seja pessoa singular ou coletiva.
Na sequência da implementação deste regime, passa também a recair sobre os conservadores, notários, solicitadores, advogados, oficiais de registo ou câmaras de comércio e indústria um dever de proceder à consulta do registo público de entidades autorizadas (disponível no sítio do BdP) e de divulgar aos outorgantes e fazer constar do documento a celebrar se o ato em causa é ou não celebrado no âmbito do exercício de uma atividade financeira reservada a entidades legalmente habilitadas sempre que, no exercício da sua atividade intervenham em atos, contratos ou documentos que, pela sua natureza, possam estar relacionados com:
- Tentativa ou exercício de atividade financeira não autorizada, nomeadamente em contratos de mútuo ou declarações de assunção ou confissão de dívida (sendo que, no caso do contrato de mútuo, têm o dever de obter declaração do mutuante em como não está a realizar uma atividade reservada a entidades habilitadas junto do BdP e fazê-la constar do documento);
- Contratos de locação financeira;
- Contratos de locação financeira restitutiva;
- Contratos de compra e venda de imóveis associados a contrato de arrendamento ao vendedor ou de transmissão de propriedade ao primitivo alienante; e
- Contratos de compra e venda de bens imóveis, ou de bens móveis sujeitos a registo, que não envolvam a concessão de mútuo por entidades habilitadas a desenvolver a atividade creditícia, sempre que o comprador já tenha sido vendedor do mesmo bem, ou esteja previsto o arrendamento ou usufruto do bem imóvel ou o usufruto do bem móvel pelo vendedor, ou esteja prevista a opção de recompra do bem pelo vendedor.
Além disto, a partir de 01 de março de 2022, os notários, solicitadores e advogados devem comunicar eletronicamente ao Banco de Portugal a informação sobre as escrituras públicas, documentos particulares autenticados ou documentos com assinatura por si reconhecida em que intervenham e que se reconduzam aos tipos referidos supra, com exceção daqueles em que atuem por conta de entidades autorizadas pelos supervisores financeiros.
É de notar ainda um dever de menção especial no que concerne aos contratos de mútuo civil, que exige, para os contratos superiores a € 2.500,00, a entrega do montante mutuado através de instrumento bancário (cheque ou transferência bancária), devendo constar do documento assinado pelo mutuário, da escritura pública, ou do documento particular autenticado, consoante a forma legal exigida para o contrato em concreto, a menção da data e do instrumento bancário utilizado e ainda das informações necessárias à sua rastreabilidade documental ou informática.
Este regime entrará em vigor em 01 de janeiro de 2022.
Daniel Neiva Silva