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As Deliberações Escritas dos Sócios

As Deliberações Escritas dos Sócios

As deliberações dos sócios, enquanto decisões adotadas pelo órgão social de formação de vontade e imputáveis juridicamente à sociedade, nada mais são de que negócios jurídicos, motivo pelo qual lhes são aplicáveis as respetivas normas de direito comum, sem prejuízo das regras específicas previstas nos artigos 53.º a 62.º do Código das Sociedades Comerciais (adiante CSC).

Ora, o artigo 53.º do CSC consagra, no seu primeiro número, a taxatividade das formas de deliberação dos sócios, prevendo a lei as seguintes quatro modalidades ou formas de deliberações:

  • deliberações em assembleia geral convocada;
  • deliberações em assembleia universal;
  • deliberações unânimes por escrito; e
  • deliberações tomadas por voto escrito.

Importa desde já, dar nota que as formas de deliberação não se confundem com as formas de votação, designadamente, os votos por correspondência em nada se confundem com as deliberações por voto escrito.

Assim, no que às deliberações escritas concerne enquanto objeto desta exposição, as deliberações por voto escrito, de uso exclusivo das sociedades por quotas e em nome coletivo (artigos 373.º n.º 1 e 472.º n.º 1 do CSC), encontram-se reguladas no artigo 247.º do CSC. No entanto, este artigo dispõe que, mesmo para estes tipos societários, esta forma de deliberação só será admissível quando não haja “disposição de lei ou cláusula contratual que o proíba” e ainda que não poderá ser tomada deliberação por voto escrito quando algum sócio esteja impedido de votar.

Esta forma de deliberar caracteriza-se por um processo longo e árduo disposto no supramencionado artigo do CSC, já que, assumindo que esta possibilidade não foi excluída pelos sócios, deverá principiar com a consulta aos sócios, por carta registada, na qual se indique a dispensa de realização da Assembleia Geral, o objeto da deliberação e a cominação de que a falta de resposta no prazo de 15 dias resultará na anuência de dispensa da Assembleia Geral.

Após a resposta à consulta e/ou decurso do prazo, se for aprovada a dispensa de Assembleia Geral, deverá ser expedida para todos os sócios a proposta concreta de deliberação com todos os elementos de informação necessários, na qual se fixa um prazo não inferior a 10 dias para a remessa do voto. O voto escrito deve identificar a proposta e conter a sua aprovação ou rejeição, equivalendo a esta última qualquer modificação ou condicionamento da proposta de deliberação.

Por fim, caberá à gerência transpor para ata a deliberação tomada, com a descrição do processo realizado, a transcrição da proposta e ainda o sentido de voto de cada sócio, considerando-se a deliberação como tomada no dia em que for recebida o último voto ou o decurso do prazo estabelecido para a votação.

Apesar de poder ser um instrumento útil, a verdade é que o seu extenso processo de formalização inquina a sua praticidade. Porém, ressalvada que esteja a integridade desta forma de deliberar e tal como é permitida a sua proibição nos estatutos sociais, não se vislumbram quaisquer motivos para que, ao abrigo da autonomia privada dos sócios, se possa simplificar o processo de tomada de deliberação por voto escrito, seja através da junção da consulta prévia e envio da proposta, ou da possibilidade de todo o processo decorrer por via eletrónica e com prazos encurtados.

Além desta forma de deliberar por escrito, o CSC prevê, no seu artigo 54.º, a possibilidade de os sócios, em qualquer tipo de sociedade, poderem tomar deliberações unânimes por escrito, exigindo a lei que todos os sócios concordem com as propostas de deliberação.

Esta norma tem cariz imperativo, pelo que não é admitida a proibição ou limitação desta forma de deliberação pelos estatutos sociais.

Estas deliberações nada mais são do que decisões dos sócios, transcritas em documento, no qual todos os sócios (com capacidade para votar) declaram concordar com o seu conteúdo. Serão particularmente úteis em situações de impossibilidade ou inconveniência de realização de assembleia geral (com ou sem convocação) já que, com a concordância de todos os sócios, basta que a proposta e correspondente decisão, assim como a aprovação dos sócios, seja transcrita em documento.

No entanto, em parte alguma da nossa legislação vem estabelecido qual o processo formativo deste tipo de deliberações, permanecendo na doutrina a dúvida e divergência quanto às exigências formais perante o laconismo do CSC.

As opiniões divergem quanto à exigência de formalidade para deliberar desta forma, havendo quem defenda a aplicação, por analogia, do processo formal das deliberações por voto escrito às deliberações unânimes escritas, bem como, no sentido contrário, a mera existência de um documento avulso onde seja transcrita a deliberação.

Somos da opinião que não se deve aplicar a esta forma de deliberar uma exigência de formalidade equitativa à das deliberações por voto escrito, já que, nesses casos, o ponto de partida é de incerteza quanto ao mérito da proposta e do sentido de votação, enquanto nas deliberações unânimes por escrito há uma certeza, antes ainda de se iniciar a formação da deliberação, que é a vontade de todos os sócios deliberar em determinado sentido.

Em sentido contrário, também não nos parece plausível uma libertinagem tal na condução da Sociedade que se coadune com a mera transcrição da deliberação em documento avulso sem qualquer registo ou formalidade adicional, posição esta sustentada na exigência prevista no n.º 4 do artigo 63.º do CSC.

Assim, e tendo por base o n.º 1 do artigo 63.º do CSC, o qual estabelece que as deliberações dos sócios, quando escritas, só podem ser provadas pelos documentos do qual constem, dúvidas não restam de que este tipo de deliberações deverão ser tomadas em documentos avulsos que, por regra, serão um escrito particular, não excluindo, naturalmente, a possibilidade de ser formalizada mediante documento autêntico.

Porém, esta liberdade de forma encontra o seu limite no número 4 do aludido preceito, já que explicitamente impõe a obrigatoriedade de a gerência ou conselho de administração inscrever no livro de atas da sociedade a menção da sua existência.

Ora, apesar de o código referir que deve ser inscrito no livro de atas da sociedade a “menção de existência” da deliberação unânime escrita tomada em documento particular avulso, somos da opinião que esta expressão é infeliz tendo em conta o espírito da lei e que o mais correto será ir além da mera menção de existência de uma deliberação, procedendo-se, efetivamente, à transcrição da deliberação tomada no livro de atas.

Deste modo, podemos concluir que deliberações unânimes escritas revelam-se particularmente úteis em situações de impossibilidade ou inconveniência de realização de assembleia geral, seja ela convocada ou universal, o que já não se sucede no caso deliberações por voto escrito porquanto a sua formação poderá ser bastante morosa e trabalhosa.

Porto, 06 abril de 2023

Daniel Neiva Silva