Alterações legislativas relevantes com o “Programa Mais Habitação”
O Governo português apresentou uma série de propostas que visam introduzir alterações relevantes tendo em vista o aumento do número de imóveis disponíveis para habitação, com especial incidência nos mercados do alojamento local e do arrendamento, medidas essas com impactos fiscais que também serão aqui referidos.
De fora desta súmula ficam alterações legislativas introduzidas em áreas como o subarrendamento, medidas de apoio no pagamento de rendas, ação de despejo e o seu processo, apoios na construção de prédios para habitação, o conceito de prédios devolutos e o arrendamento coercivo.
Por fim, deve ser frisado que a presente análise tem por base o Projeto de Lei apresentado pelo Governo e já aprovado em Assembleia da República, faltando, para a sua entrada em vigor, a promulgação pelo Presidente da República.
- Alterações ao Regime Jurídico da Exploração dos Estabelecimentos de Alojamento Local:
O Regime Jurídico da Exploração dos Estabelecimentos de Alojamento Local é um dos principais diplomas visados com o “Programa Mais Habitação”, prevendo-se que passem a vigorar as seguintes medidas:
- Registo de AL em prédio em regime de propriedade horizontal cujo título constitutivo esteja destinado a habitação: prevendo o título constitutivo de uma fração autónoma que a mesma se destina a habitação, a exploração de um AL apenas será permitida se existir uma deliberação da assembleia de condóminos, com aprovação unânime, a autorizar essa exploração.
- Duração do registo de estabelecimento de AL: os registos de AL passarão a ter uma duração de 5 anos, renováveis por iguais períodos (contando-se a primeira renovação a partir da data de emissão do título de abertura ao público). As renovações carecem de deliberação expressa da câmara municipal competente.
Relativamente aos registos de AL já existentes no momento da entrada em vigor da lei, serão reapreciados durante o ano de 2030 e, a partir dessa data, seguem o regime previsto, carecendo da deliberação da câmara para se renovar por novos períodos de 5 anos.
- Intransmissibilidade do n.º de registo de AL: a proposta do Governo é que o número de registo do estabelecimento de AL, independentemente da sua modalidade, seja pessoal e intransmissível.
Adicionalmente, a lei (ainda em vigor) prevê a caducidade do título de abertura ao público em caso de transmissão de mais de 50% do capital social de pessoa coletiva, porém, pretende-se agora que a caducidade ocorra com a transmissão de qualquer parte do capital social da pessoa coletiva titular do registo, independentemente da percentagem que é transmitida.
- Cancelamento do registo de AL: a assembleia de condóminos por deliberação de 2/3 poderá opor-se ao exercício da atividade de AL numa determinada fração, sem necessidade de fundamentar essa decisão.
Assim não será se o título constitutivo dessa fração expressamente previr a sua utilização para fins de AL, ou tiver havido deliberação expressa da assembleia de condóminos a autorizar a utilização da fração para aquele fim. Havendo deliberação de oposição por parte da assembleia, o imóvel visado só pode voltar a ser explorado como AL com decisão em contrário.
- Suspensão de novos registos de AL: ficam suspensas as emissões de novos registos de AL nas modalidades de “apartamento” e “estabelecimentos de hospedagem” integrados numa fração autónoma de edifício em todo o território nacional, com exceção dos territórios do interior e regiões autónomas, tendo em consideração, igualmente, a definição feita pelos Municípios.
- Caducidade de registos inativos: 2 meses após a Lei entrar em vigor, os titulares do registo de AL serão obrigados a efetuar prova, mediante apresentação de declaração contributiva, da manutenção da atividade de exploração, comunicando efetividade do exercício na plataforma RNAL – o incumprimento implicará o cancelamento dos registos ativos.
- Contribuição extraordinária sobre os apartamentos em AL (“CEAL”): foi ainda decidida a criação de uma CEAL sobre os apartamentos e estabelecimentos de hospedagem integrados numa fração autónoma de edifício.
- Incidência subjetiva da CEAL: os sujeitos passivos responsáveis pela liquidação da CEAL são os titulares da exploração dos AL’s, sendo os proprietários dos imóveis – no caso de não serem titulares da exploração – subsidiariamente responsáveis relativamente aos respetivos imóveis.
- Incidência objetiva da CEAL: a CEAL incide sobre a afetação de imóveis habitacionais a AL, a 31 de dezembro de cada ano civil. A CEAL não será aplicada aos imóveis localizados no interior e nas freguesias que preencham, cumulativamente, os seguintes critérios:
- Sejam abrangidas por Carta Municipal de Habitação em vigor que evidencie o adequado equilíbrio de oferta de habitações e alojamento estudantil no município;
- Integrem municípios nos quais não tenha sido declarada a situação de carência habitacional; e
- Não tenham qualquer parte do seu território como zona de pressão urbanística.
- Isenção da CEAL: estão isentos da CEAL os imóveis habitacionais que não constituam frações autónomas, nem partes ou divisões suscetíveis de utilização independente.
- Base tributável da CEAL: a base tributável da CEAL é constituída pela aplicação do coeficiente económico do AL e do coeficiente de pressão urbanística à área bruta privativa dos imóveis habitacionais, sobre os quais incida a CEAL – estes coeficientes encontram-se melhor descritos em anexo da Lei.
A taxa aplicável a esta base tributável é de 15%, ocorrendo a liquidação da CEAL até ao dia 25 de junho do ano seguinte, após declaração feita pelo sujeito passivo até ao dia 20 de junho do ano seguinte ao facto tributário.
- Disponibilização de contactos de emergência e sinalética: passa também a estar previsto que a assembleia de condóminos, por deliberação aprovada por maioria dos votos representativos do capital investido, possa determinar que os AL’s disponham de um número de contacto telefónico permanente de emergência, que deve ser facultado aos condóminos.
Por fim, os titulares de AL’s instalados em frações autónomas devem afixar em local bem visível no interior dos estabelecimentos uma sinalética com os horários previstos no Regulamento Geral do Ruído.
- Alterações significativas em matéria de contratos de arrendamento:
- Limite das rendas dos novos contratos de arrendamento: após a Lei entrar em vigor, a renda inicial dos novos contratos de arrendamento para fins habitacionais sobre os quais tenham vigorado outros contratos de arrendamento nos cinco anos anteriores à entrada em vigor da Lei não pode exceder o valor da última renda praticada sobre o mesmo imóvel em contrato anterior, aplicado o coeficiente de 1,02.
Sobre as novas rendas, podem ainda ser aplicados os coeficientes anuais de atualização de renda, desde que não tenham passado mais de 3 anos sobre a data em que a atualização seria possível.
- Proibição de transição de contratos de arrendamento para o regime atual do NRAU: nos contratos de arrendamento em que, proposta a transição para o NRAU, o arrendatário alegue ter um rendimento anual bruto corrigido inferior a cinco retribuições mínimas nacionais atuais, ou invoque ter idade igual ou superior a 65 anos de idade ou deficiência com grau de incapacidade superior a 60%, o contrato de arrendamento não poderá transitar para o NRAU. No entanto, serão previstas isenções de IRS e IRC relativamente aos rendimentos prediais dos senhorios.
- Alterações ao Código do IMT:
É alterado o Código do IMT, concretamente as condições para a isenção deste imposto pela aquisição de prédios para revenda.
Com efeito, o prazo para ocorrer a revenda deixará de ser 3 anos, diminuindo para 1 ano.
Adicionalmente, como já constava da isenção do IMT, deixa de haver benefício desta isenção se ao prédio adquirido para revenda for dado destino diferente, concretizando-se agora que se considera destino diferente “a conclusão de obras, de edificação ou de melhoramento, ou outras alterações que possam determinar variação do seu [do prédio] valor patrimonial tributário”.
- Alterações ao Código do IRS:
É alterado o Código do IRS, nomeadamente na parte relativa a deduções de rendimentos prediais, assim como são previstas novas taxas especiais:
- Deduções de rendimentos: acrescenta-se agora que aos rendimentos prediais (de categoria F), serão deduzidos os gastos efetivamente suportados pelo sujeito passivo com seguros de renda.
- Taxas especiais: são tributados à taxa autónoma de 28% os rendimentos prediais decorrentes de arrendamento não habitacional. Por sua vez, os rendimentos prediais decorrentes de arrendamento habitacional, são tributados a uma taxa autónoma de 25%.
Por fim, são previstas reduções da tributação dos rendimentos prediais, consoante a duração dos contratos de arrendamento habitacionais, da seguinte forma:
- Duração igual ou superior a 5 anos e inferior a 10 anos – redução de 10% na taxa autónoma, sendo, por cada renovação com igual duração, aplicada uma redução de 2%, estando as reduções relativas à renovação do contrato sujeitas ao limite de 10%;
- Duração igual ou superior a 10 anos e inferior a 20 anos – redução de 15% na taxa autónoma.
- Duração superior a 20 anos – redução de 20% na taxa autónoma.
As reduções na taxa autónoma não se aplicarão a rendimentos prediais decorrentes de contratos de arrendamento habitacionais celebrados a partir de 01 de janeiro de 2024, cuja renda mensal exceda em 50% os limites gerais de preço de renda por tipologia em função do concelho onde se localiza o imóvel, conforme disposto na Portaria n.º 176/2019, de 06 de junho, do Governo.
Por fim, aos novos contratos de arrendamento que beneficiem das reduções acima descritas, é aplicada uma redução adicional de 5% na taxa autónoma sempre que a renda seja inferior, em pelo menos 5%, à renda do contrato de arrendamento anterior sobre o mesmo imóvel.
Nota: caso os contratos de arrendamento que beneficiem da redução na taxa autónoma cessem antes de decorridos os seus prazos, por motivos imputáveis ao senhorio, extingue-se o direito às reduções das taxas aí previstas, com efeitos desde o início do contrato ou da sua renovação, devendo o titular dos rendimentos no ano da cessação do contrato, proceder à declaração desse facto para que seja regularizada a diferença entre o imposto que foi pago em cada ano e aquele que deveria ter sido pago.
- Alterações ao Estatuto dos Benefícios Fiscais:
- Incentivos ao arrendamento habitacional a custos acessíveis: são revogados diversos benefícios relacionados com os incentivos à reabilitação urbana e ao arrendamento habitacional a custos acessíveis previstos para fundos imobiliários, sendo, alternativamente, apresentada a seguinte proposta:
O saldo positivo entre as mais-valias e as menos-valias resultantes da alienação de unidades de participação em fundos de investimento imobiliário e sociedades de investimento imobiliário que operem de acordo com a legislação nacional, desde que pelo menos 75% dos seus ativos sejam bens imóveis afetos a arrendamento habitacional a custos acessíveis, é tributado à taxa de 10% quando os titulares sejam entidades não residentes (que não beneficiem do benefícios das mais-valias realizadas por não residentes do artigo 27.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais) ou sujeitos passivos de IRS residentes em Portugal que obtenham os rendimentos fora do âmbito de uma atividade comercial, industrial ou agrícola, e não optem pelo respetivo englobamento.
- Transferência de imóveis de alojamento local para arrendamento: prevê-se a isenção de tributação em sede de IRS e IRC dos rendimentos prediais decorrentes de contratos de arrendamento para habitação permanente, até 31 de dezembro de 2029, desde que verificadas, cumulativamente, as seguintes condições:
- Os rendimentos resultem da transferência de um imóvel afeto a AL para arrendamento de habitação permanente;
- O estabelecimento de AL tenha sido registado e afeto a esse fim até 31 de dezembro de 2022;
- A celebração e registo do contrato de arrendamento nas Finanças ocorra até 31 de dezembro de 2024.
Esta proposta implicará restrições profundas ao programa de Vistos Gold, não sendo admitidos novos pedidos de autorização de residência para atividade de investimento, a partir do momento da entrada em vigor da Lei, que antes eram concedidos nas seguintes situações:
- Em que fosse exercida qualquer atividade pessoalmente ou através de uma sociedade que conduzisse à concretização de, pelo menos, uma das seguintes situações em território nacional e por um período mínimo de cinco anos:
- Transferência de capitais no montante igual ou superior a 1,5 milhões de euros;
- Aquisição de bens imóveis de valor igual ou superior a €500.000,00;
- Aquisição de bens imóveis, cuja construção tenha sido concluída há, pelo menos, 30 anos ou localizados em área de reabilitação urbana e realização de obras de reabilitação dos bens imóveis adquiridos, no montante global igual ou superior a €350.000,00.
De acordo com a proposta apresentada, esta proibição não prejudica a possibilidade de renovação das autorizações de residência para atividade de investimento quando essas autorizações tenham sido concedidas ao abrigo do regime legal aplicável até à data da entrada em vigor da lei.
Mantêm-se igualmente válidos os pedidos de concessão e de renovação de autorização de residência para atividade de investimento com base nos pontos acima listados que tenham sido solicitados e aguardem decisão na data de entrada em vigor da Lei.
Porto, 03 de agosto de 2023
Tomás Pinto